LÁBIOS DE MEL OU LÁBIOS SELADOS?

Gisele Centenaro


– Trambique, vem cá, tô precisando ter um lero contigo.
– Migo, again?! Trambique não, please.
– Amo a solidão, tu sabes. Vem dela toda minha independência. Sem ela, a morte.
– Sem a solidão?
– Sem a independência. A solidão é um problema conjuntural em razão da vizinhança que me impus neste planetinha.
– Baby, quer o ticket entregue à domicílio?
– Pra quê?
– Pra flutuarmos na nossa dimensão primordial, enfim.
– Quem aqui tá procurando companhia, Trambique?
– Mas mudar de vizinhança, em certas circunstância, clareia até as nuvens do céu.
– Na hora certa. E ela está chegando. Neste minutinho, porém, preciso de uma resposta…
– Se a esperas de mim, preciso de uma pergunta…
– Of course. Que gosto tem beijo quando os lábios estão selados?
– Hahahahahahaha…
– Cara, contei uma piada, por acaso, pra provocar essa gargalhada inesperada?
– Tu tens noção do que me perguntastes?
– Tu tens noção do que me ensinas, gota a gota, nos sonhos que sonho imaginar ao pensar em ti?
– O que te ensinei eu sobre lábios selados?
– Well, contou-me segredos estelares sem empregar todas as letras do alfabeto terráqueo, somou e subtraiu na tabuada que me destes sem que as contas tivessem qualquer finalidade, mostraste-me seiva escorrendo pelos teus dedos para fazer desabrochar flores muito antes de chegar a primavera, transformastes a maça que lhe dei num big coração que transcende a plantação dos amores…
– E teus lábios permaneceram selados sobre tudo que te dei?
– Até aqui…
– Queres, primeiro, rever os dados sobre os lábios ou os detalhes dos selos consumados?
– Se a capa cair…
– Lábios de mel ou lábios selados?
– Sinceridade…
– Sempre…
– Hoje estou tão melzinho…
– Mel desperdiçado se a única a tirar proveito da tua doçura é a solidão.
– Pois então. Mas sou livre…
– Vem pra mim, vem.
– Pra tu me amarrares com as cordas da tua voz, pra atares minhas mãos com os laços que nos unirá em eterno sussurrar desta galáxia, pra impedires meus passos ao entrelaçar tuas pernas nas minhas sem compaixão, ainda que eu caia de joelhos?
– Pois serás assim absolutamente minha. E eu serei universalmente teu. Que mais desejas de belo e aconchegante na construção deste nosso mundinho encantado, na qual tenho empregado sofreguidão em doses descomunais?
– A liberdade. Sem ela serei destituída talvez até dos lábios…
– Ah! Eis o Segredo Maior. Jamais os perderá desde que continues escutando minha voz. Unida a ela estarão teus lábios, para sempre, enquanto o desejares, selados, ainda que vertam mel…
– Sobre o beijo…
– Tens de beijar.
– Pois, Mané, se meus lábios estão selados, faço como?
– Hahahahahahaha… Receba as flores que lhe dou…
– Estás mudando o rumo da conversa…
– E em cada flor um beijo meu…
– Mané, custa caro pra caramba esta ligação entre a Terra e o Não-Ser, percebe? Daqui a pouco, a linha cai sem que tu tenhas me respondido o que perguntei…
– São flores lindas que lhe dou. Rosas vermelhas com amor. Amor que por você nasceu. E seja assim por toda a Vida.
– Bolou o cérebro again, Cavaleiro do Apocalipse?
– Injusto. Pois justamente tenho feito de tudo para ver sorrisos em teus lábios. E a Deus mais nada pedirei, querida, mil vezes querida, Deus, já na terra nascida, sabes que tu és, e sempre foi, a namorada que sonhei…
– Vou te dedar pro Conselho… Na Terra chamam teu comportamento de assédio…
– Hahahahahahaha… Não me digas que tu me julgas sexual, ainda, em alguma coisa, mesmo que seja por sensações de assediamento! Ora, no dia consagrado aos namorados, sairemos abraçados por aí, quem sabe a passear, um dia no futuro então casados, mas eternos namorados…
– Já te disse que não me vejo sem a minha liberdade, imposição, nesta dimensão da fatalidade, da minha venerável solidão…
– Ah! Flores lindas, eu ainda vou lhe dar. Que seja assim por toda Vida, querida, e a Deus mais nada pedirei.
– Disso tenha certeza, pois é fato que tem pai que é cego, mas o teu…
– Hahahahahahaha… Querida, mil vezes querida, por teres teus lábios selados, os únicos que podes beijar são os meus…
– E se tu és uma impossibilidade, me diga, Ser Supremo, se meu destino, portanto, é nunca saber que gosto um beijo tem.
– Receba as flores que lhe dou… E em cada flor um beijo meu…
– Primeiro as vermelhas ou as brancas?
– Well, creio que no jardim que te cultivei encontrarás, se procurares bem, uma maça transformada num big coração que transcende as plantações dos amores dos homens comuns, tendo raízes na mais bela constelação que poderás alcançar ao tocar, com teus lábios, as pétalas das rosas…
– Se tenho teus beijos ao tocares meus lábios selados, a Deus mais nada pedirei.

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2 comentários:

Beth Almeida disse...

Todo mundo se encontra em algum trecho desse texto.

Pau de Sebo disse...

Excelente! Que ritmo, que delírio, que vocab!

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