A carta que eles NUNCA escreverão
Palavras
que poderiam ser ditas, mas ficam guardadas, entaladas ou escondidas atrás do
caso com uma mina qualquer
Bom dia, Dadica,
Minha alma está doendo por começar esta carta, mas vamos lá.
Eu deveria ter te dito tudo ontem, mas as palavras não saíram. Quando olho pra
você minha garganta fecha. De alguma forma acho que isso é amor... Talvez um
pouco de medo também. Mas a verdade é que não dá mais pra mim. Essa casa... sua
cara de quem está precisando muito mais do que posso dar... nosso sexo que só
sai depois de nos destruirmos com palavras e agressões cada vez mais
profundas... Não estamos indo pra lugar nenhum e sonhamos com lugares muito
diferentes. Você quer um filho. Eu quero uma garrafa de Jack Daniel´s. Você
quer Índia. Eu quero Berlim. Já não caminhamos mais lado a lado e tenho cada
vez mais certeza de que o que nos mantém juntos é o medo de estarmos separados
e não mais a real vontade de estar junto. Há amor (sei que há), mas não é ele
que me comove. Olho nossas fotos e morro de saudade do que fomos. Morro também
de tristeza por perceber que não somos mais.
Eu sei que você vai chorar e que esta carta vai te devastar.
A mim também, tenha certeza. Sei que você vai me achar covarde por não
conseguir falar... Mas este sou eu. O mesmo cara que não conseguiu dizer que te
queria há seis anos. Por algum motivo quando olho pra você minhas palavras
somem. Sua beleza segura, o ar levemente triste que te acompanha, teu sorriso
revelador... tudo isso me cala. Me calou lá atrás quando todo meu corpo te
queria e me cala agora quando este mesmo corpo deseja partir. Sei que você está
tentando não ver o quanto somos uma fruta passada que por algum fenômeno da
natureza não caiu do pé. Mas estamos podres, Amanda. Estamos tristes. E não é
um filho que vai mudar isso, nem a ioga na Índia, nem a tal terapia de casal...
Estamos esperando que um milagre aconteça, mas não atentamos para o fato de que
não acreditamos em milagres.
Não vou ao futebol. Nos vemos aqui à noite pra conversar.
Estou tomando coragem.
Cortei mamão. Tá na geladeira.
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